Família e educação




9 contribuições da neurociência para a Educação de seu filho

Especialistas dão dicas de como pais podem ajudar a desenvolver plenamente o potencial do cérebro de seu filho

Texto Iana Chan

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    Não há receita para educar os filhos, mas a Ciência tem apontado caminhos para a difícil tarefa de fazer com que os pequenos tenham uma vida plena,saudável e bem-sucedida. Nas últimas décadas, o estudo do cérebro trouxe várias contribuições para o trabalho de pais e de professores.

   Conhecer como funciona o cérebro não é pouca coisa. Esse órgão de 1,5 kg comanda nosso desenvolvimento físico, social, emocional, linguístico e cognitivo. Personalidade, emoção, linguagem, memória, pensamento... Está tudo lá. E a chamada neurociência já descobriu alguns mecanismos que contribuem para o desenvolvimento saudável do cérebro. "Ao revelar essa coreografia cerebral, a neurociência nos mostra a melhor forma de interferir", diz Elvira Souza Lima, pós-doutorada pela Universidade de Stanford, nos Estados Unidos, e pesquisadora em desenvolvimento humano, com formação em Neurociência, Psicologia, Antropologia e Música. 

   Um desenvolvimento cerebral saudável, dizem os especialistas, precisa de estímulo e proteção. "As experiências no começo da vida formam a base para todo o desenvolvimento posterior", explica diretor do Centro para o Desenvolvimento Infantil de Harvard, nos Estados Unidos, Jack Shonkoff, que defende a importância da interação das crianças com a família e a proteção contra o chamado estresse tóxico. "Precisamos assegurar ambientes acolhedores, estáveis e estimulantes para as crianças", afirma.


Nota: as falas de Elvira Souza Lima foram coletadas durante o XVII Seminário de Educação Infantil, organizado pelo Centro de Estudos do Colégio Santa Maria, em São Paulo, enquanto as de Jack Shonkoff foram proferidas durante o Seminário Interativo pela Primeira Infância, na Câmara Municipal de São Paulo. 

Veja algumas contribuições que a neurociência trouxe para a Educação:


1. Seu filho não nasce com uma quantidade fixa de inteligência

  Diferente do que se costumava pensar, o cérebro nunca para de se desenvolver. Ele é um órgão que se reorganiza e forma conexões entre neurônios ao longo da vida inteira. É o que os neurocientistas chamam de plasticidade cerebral: a capacidade que o cérebro tem de criar novas conexões e de se adaptar a partir das necessidades. 

"O desenvolvimento humano não depende de raça ou de condição socioeconômica. Todos podem aprender muito, mas só se tiverem oportunidade de serem ensinados e de praticar", diz a pesquisadora Elvira Souza Lima. 

   Isso quer dizer que seu filho não nasce inteligente ou burro. Ele nasce com capacidade de aprender como qualquer outra criança. E seu estímulo desde os primeiros dias de vida é fundamental neste processo.

2. Os primeiros anos são determinantes na vida de seu filho

   O cérebro nunca deixa de se desenvolver, mas com o passar do tempo fica cada vez mais difícil aprender coisas novas. "Quanto mais velho for o indivíduo, mais custoso será mudá-lo, pois a energia necessária para que o cérebro se ajuste, se adapte ou aprenda novos comportamentos será muito maior", diz o diretor do Centro para o Desenvolvimento Infantil de Harvard, nos Estados Unidos, Jack Shonkoff.

   Está provado que no início do desenvolvimento cerebral, nos primeiros anos de vida, as possibilidades são bem maiores. "Por isso, aprender uma língua estrangeira ou a tocar um instrumento musical é tão mais fácil para crianças pequenas", explica a pesquisadora em desenvolvimento humano, Elvira Souza Lima. Com o passar do tempo, as redes neuronais utilizadas tornam-se cada vez mais fortes e mais difíceis de serem alteradas, enquanto as não utilizadas acabam sendo "podadas" pelo cérebro. 

  Para a sociedade, não investir em Educação nos primeiros anos de vida também é ruim. Jack Shonkoff diz que a sociedade paga um preço mais caro por não ter investido na formação de seus cidadãos nos primeiros anos de vida. "Promover mudanças sempre é possível, mas é mais fácil e mais efetivo investir em uma boa base na primeira infância do que pagar os custos de reparo mais tarde", diz.

   Essa é a razão pela qual Shonkoff defende que os gestores públicos foquem na primeira infância. "O desenvolvimento saudável nos primeiros anos de vida cria uma base para todas as necessidades de uma sociedade saudável, não só na área da Educação, mas também da Economia, da Saúde, da Segurança, da Cidadania...", diz.


3. O desenvolvimento do cérebro depende de experiências e estímulos

  As experiências literalmente moldam o cérebro. Experiências e estímulos contínuos aumentam as chamadas sinapses, isto é, a conexão entre diferentes neurônios para a propagação dos impulsos nervosos. Quando uma criança ouve uma canção diferente, brinca de algo novo ou desenha, por exemplo, o cérebro está se exercitando, criando redes de neurônios capazes de fazer ligações cada vez mais rapidamente. "O desenvolvimento cerebral depende da riqueza de vivências e de experiências de um indivíduo", explica Elvira Souza Lima, pesquisadora em desenvolvimento humano.

  Quando essa rede neuronal se forma, além de fixar o conhecimento relacionado, cria uma facilidade para outros aprendizados. Por exemplo, uma criança que aprende uma segunda língua entra em contato com diferentes lógicas, já que cada língua possui seu próprio modo de funcionar. "Isso amplia as redes neuronais para o pensamento lógico, criando uma disposição para outros aprendizados ligados a ele", diz Elvira. 

   Toda a aprendizagem depende da ação do cérebro e todos somos capazes de aprender. Nascemos com um potencial de 100 bilhões de neurônios, mas o desenvolvimento depende da cultura, da vivência, que determinam quais serão os aprendizados a partir desse leque enorme de possibilidades. "Há tribos no deserto de Albuquerque, no Novo México, por exemplo, que desenvolvem o olfato de maneira incrível - eles conseguem sentir o cheiro da tempestade duas horas antes de ela chegar, enquanto nós não desenvolvemos esse sentido, porque não é algo da nossa cultura", diz a pesquisadora.


4. O desenvolvimento do cérebro também é biológico e não pode ser adiantado

   Apesar de ser "movido" a estímulos, o desenvolvimento do cérebro também obedece a uma ordem de amadurecimento. Sabe aquela frase tudo tem seu tempo? "O cérebro demora por volta de 20 anos para amadurecer e ele segue uma ordem dada pela genética, que não podemos adiantar", explica Elvira Souza Lima, pesquisadora em desenvolvimento humano. 

   É muito importante conhecer os marcos do desenvolvimento cerebral para ajustar as expectativas em relação às crianças, sabendo o que é próprio ou não para cada idade. 

  Por exemplo, se você der um lápis grafite para uma criança de 4 anos, ela vai ter dificuldade em utilizá-lo e provavelmente vai quebrar a ponta. "Ela não tem a possibilidade motora e biológica de usar o lápis, o cérebro não está preparado ainda para esse refinamento", explica Elvira. 

  Pais precisam entender que a criança quer agradar, quer responder aos anseios dos adultos a sua volta. Na hora de interagir, os pais devem tomar cuidado para não estressar demais a criança. "Se há uma expectativa que a criança não possa cumprir, é o começo do desastre. Muitas vezes, ela não tem estrutura cerebral para satisfazer esses desejos e pode acabar desenvolvendo comportamentos que mais tarde serão entendidos como patologias e, em última medida, acabam sendo medicadas. Isso é um equívoco e o prejuízo é muito grande", aconselha.


5. Estresse em excesso nos primeiros anos prejudica o desenvolvimento para toda a vida

   Como vimos, as experiências que acontecem cedo na vida da criança afetam o aprendizado e a saúde futura. Para o bem e para o mal. 

  Pense em um momento no qual você se sentiu mais estressado do que nunca, tente se lembrar da sensação física: suores, nó no estômago, boca seca... "Essa é a maneira como o seu corpo o prepara para lidar com ameaças, seja uma ameaça física, seja uma ameaça como um problema inesperado no trabalho. Ela foca sua atenção, fortalece seus músculos. Nós temos muita sorte em ter um sistema de resposta ao estresse, ele nos deixa alerta para enfrentar ou perigo ou para fugir dele", explica Jack Shonkoff, diretor do Centro para o Desenvolvimento Infantil de Harvard, nos Estados Unidos 

  O problema é quando há uma ativação constante desse sistema, que foi feito para atuar em situações específicas e não o tempo todo. Quando a criança sofre abuso e negligência contínuos, ocorre o chamado estresse tóxico, que prejudica seu desenvolvimento cerebral. "Quando não há um adulto acolhedor perto da criança, o estresse tóxico pode reduzir o número de conexões neuronais em regiões importantes do cérebro, num período em que as crianças deveriam estar desenvolvendo conexões novas", explica Shonkoff. 

  O estresse tóxico tem um impacto a longo prazo na aprendizagem, no comportamento e na saúde física e mental. Um estudo mostrou que os maus-tratos sofridos na infância aumentam as chances de desenvolver problemas cardiovasculares quando adultos. Outros estudos também relacionam as experiências adversas nos primeiros anos de vida ao maior uso de álcool e drogas na vida adulta. "O corpo não esquece. Esses adultos não necessariamente continuaram a sofrer depois da infância, mas seus corpos guardaram uma memória biológica dessa experiência", diz o professor. 

   Há duas maneiras de proteger os efeitos do estresse tóxico nas crianças: a presença de adultos que ajudam a amortecer os efeitos do estresse e de adultos que eduquem e mostrem para as crianças como elas próprias podem lidar com o estresse. "O objetivo não deve ser livrar as crianças de estresse, mas ensiná-las a tolerar e lidar com o estresse", explica Jack Shonkoff. 

   Se depois de ler essa informação, você está decidido a proteger seu filho de qualquer frustração ou estresse, vá com calma. O estresse tóxico não é algo pontual, mas uma situação prolongada e excessiva em que a criança não tem apoio de um adulto capaz de protegê-lo. "Se você tem uma relação interativa com seu filho, os efeitos do estresse tóxico são amortecidos. Pais não precisam se culpar ou se desesperar por seus filhos em viverem em situações de estresse - a menos que você deixe seu filho em frente a televisão o dia todo. Se esse é o caso, isso precisa ser mudado", orienta Jack Shonkoff.


6. A Educação Infantil deveria ser o ponto central do processo educativo

  Além de ser a fase em que o cérebro é mais plástico e sensível aos estímulos, é entre os três e os seis anos que são formadas as estruturas cerebrais relacionadas à função simbólica. "É a capacidade que só nós, humanos, temos de simular, de representar na nossa mente, percepções, pensamentos e experiências", explica a pesquisadora em desenvolvimento humano Elvira Souza Lima. Quer ver isso em ação? Quando você ouve a palavra cachorro, o desenho de um cachorro "aparece" na sua cabeça, certo? 

   "É a função mais importante da espécie, porque permite reorganizar dados e imagens que temos em nossa memória em novas ideias", diz ela. A função simbólica é a base para todo o aprendizado posterior. Por isso, a Educação Infantil é considerada hoje o ponto central do processo educativo. "Os pais deveriam investir em Educação Infantil, no desenvolvimento do cérebro da criança. A diversificação de experiências nessa fase forma estruturas cerebrais que vão valer para a vida toda e o resultado desse investimento vai aparecer lá na frente", explica Elvira. 

   A escrita, por exemplo, acontece a partir da função simbólica. A criança pode aprender a desenhar letras sem saber escrever, pois para dominar a escrita, é preciso entender a correspondência entre a forma das palavras e seu sentido. "É semelhante ao caso da criança que aprendeu a contar, mas não consegue aplicar essa informação. Ela pode contar até mil e não saber o que aquilo significa. O aluno lê um problema e depois pergunta "é de mais ou de menos?"", diz a pesquisadora. 

   Todo mundo desenvolve a função simbólica, porém sua riqueza e dimensão dependerão da qualidade e da diversidade das experiências que as crianças vivenciam. "Atividades como brincadeira, música e desenho são ótimas: é quando a criança cria sua própria realidade, constrói significados, faz ligações de sentido…", orienta.


7. A imitação é a principal estratégia de desenvolvimento até os 6 anos

  Você já ouviu a frase "uma ação vale mais do mil palavras"? Pois a neurociência tem a prova científica de que isso funciona - ao menos para as crianças. 

   Quando elas observam os adultos, o cérebro está a mil. "O que a criança vê está sendo trabalhado e fixado pelo cérebro", explica a pesquisadora em desenvolvimento humano Elvira Souza Lima. Os responsáveis por esse feito são os chamados neurônios espelho. "Eles leem o comportamento e não o discurso. Se você mostrar a língua para um bebê, ele mostra a língua em seguida, mesmo ainda sem ter consciência de seu próprio corpo", explica. 

  É importante que pais se lembrem de que as crianças estão formando comportamentos a todo momento e que façam parte desse momento tão rico para o aprendizado. "Separe tempo para os filhos. Pode ser breve afinal, sabemos que ninguém muda de um dia pro outro. Tenham tempo para a conversa e, principalmente, para a escuta", orienta Elvira. 

 Ela recomenda estabelecer um tempo para trocar a televisão por uma atividade prazerosa. "Não precisa ser uma atividade que envolva dinheiro: ir ao parque, ouvir uma música, ler um livro... Atividades manuais, como brincar com massinha ou fazer brigadeiro, também são boas para o desenvolvimento cerebral", diz.


8. As crianças precisam de interação com adultos

   Quando um adulto interage com o bebê, diversos neurônios no cérebro do pequeno formam novas conexões entre si. "Você sorri, a criança sorri. Você faz um barulho, a criança faz um barulho. É esse jogo de ação e reação que literalmente molda a arquitetura do cérebro", explica o diretor do Centro para o Desenvolvimento Infantil de Harvard, nos Estados Unidos, Jack Shonkoff. 

   A interação com os adultos é o principal ingrediente para o desenvolvimento saudável das crianças, pois elas não conseguem aprender sozinhas automaticamente. Quando lemos para as crianças, mesmo que elas ainda não saibam ler, estamos trabalhando a área do cérebro relacionada à linguagem. "O cérebro começa a fazer associações, de que há algo entre aquelas sons e as linhas e as páginas", explica Shonkoff. 

   A necessidade do estímulo aparece muito na questão da leitura, aliás. Um estudo mostrou que crianças de 3 anos já possuem diferenças grandes em relação ao número de palavras que conhecem. "Esse dado depende do estímulo em casa, ele varia se o ambiente é alfabetizador, se os adultos conversam com as crianças", diz Shonkoff, mostrando que as barreiras para o sucesso educacional aparecem cedo, já que o tamanho do vocabulário é um indicador da facilidade com que ela aprenderá a ler. "Temos de intervir muito antes de elas começarem a ir para a escola. Daí a importância do estímulo da família no desenvolvimento das crianças. É preciso conversar com elas, explicar para elas o que está acontecendo e não apenas repetir ‘’Não faça isso ou não faça aquilo’’", alertou.


9. A tecnologia não substitui o estímulo presencial

   A experiência concreta da criança no espaço é fundamental. "Muitos desses brinquedos mais caros e tecnológicos são enrijecidos e fechados: não possibilitam que a criança possa imaginar e transformá-los". Os melhores brinquedos são aqueles não muito estruturados, que dão liberdade para a criança fazer o seu faz de conta. "Massinhas, fantoches e até caixas de papelão encapadas são ótimos!", aconselha Elvira Souza Lima, pesquisadora em desenvolvimento humano. 

  As crianças adoram o tablet, claro. Mas muitas vezes, os pais não têm informação sobre os benefícios e os riscos da tecnologia. "Muitos acham que estão contribuindo para o desenvolvimento da criança ao oferecer dispositivos como o iPad, porém, quando substituem o face a face pela tecnologia, estão tirando da criança a oportunidade de interação, que é muito importante", explica Elvira. "O cérebro que recebe diretamente um olhar e que experimenta o face a face se desenvolve de maneira diferente daquele que só recebe estímulo por meio de algum dispositivo tecnológico", afirma. 

  Esse prejuízo aparece no futuro. "Há jovens bem formados que não conseguem gerenciar pessoas, porque não desenvolveram habilidades emocionais necessárias para lidar com o outro", aponta Elvira.

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